Por Mario Sabino*
Dois turistas italianos entraram numa favela carioca e um deles foi executado por traficantes. Levou um tiro na cabeça e outro no braço. Ambos viajavam de motocicleta pela América do Sul. Ainda está nebuloso se foram parar na favela por engano, guiados pelo aplicativo Waze, ou se à procura de uma peça de moto. Não importa.
Recentemente, Marcelo Crivella, prefeito eleito do Rio de Janeiro, disse que pretendia ressarcir turistas roubados na cidade. Pode-se ressarcir alguém por um celular, uma carteira, uma bolsa — mas como ressarcir por uma vida?
A vida é um valor inestimável, sim, mas no Brasil não tem valor nenhum. Seja a de brasileiros ou estrangeiros. Repiso que somos o líder mundial em homicídios. São quase 60 mil por ano. Você talvez tenha mais chance de escapar da ferocidade nacional se for um mico-leão-dourado, uma ararinha-azul ou uma baleia jubarte.
Nada contra os bichos. O Brasil, contudo, precisa criar também a proteção ecológica de seres humanos decentes. Os únicos da espécie que contam com medidas protetivas eficazes, de vida e patrimônio, são os bandidos de colarinho branco.
Ao escrever “seres humanos”, veio-me à cabeça um texto de Paulo Mendes Campos, de quem tive a honra de ser amigo, ainda que no finalzinho da sua vida. Em 1969, ele escreveu:
“Imaginemos um ser humano monstruoso que tivesse a metade da cabeça tomada por um tumor, mas o cérebro funcionando bem; um pulmão sadio, o outro comido pela tísica; um braço ressequido, o outro vigoroso; uma orelha lesada, a outra perfeita; o estômago em ótimas condições, o intestino carcomido de vermes… Esse monstro é o Brasil."
Os turistas italianos foram engolidos por esse monstro. Nós somos engolidos por esse monstro todos os dias.
* Mario Sabino jornalista e escritor. Foi redator-chefe da revista Veja até o final de 2011, e atualmente escreve em O Antagonista.
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