02 março, 2011

A tirania adolescente

Tânia Zagury

"Chegamos a uma situação-limite. Está na hora de os pais recuperarem sua auto-estima e sua autoridade”, diz a educadora carioca Tânia Zagury, uma das mais conhecidas autoras da área. Em seu novo livro, Os Direitos dos Pais (Record; 206 páginas; 25 reais), ela defende que práticas que andavam esquecidas na educação dos filhos sejam resgatadas, em nome do futuro do próprio jovem – e da sociedade.

Até meados dos anos 60, as regras dentro de casa eram impostas implacavelmente aos jovens. Hoje, é prática corrente estabelece-las de comum acordo entre pais e filhos. Antes, os pais davam broncas, punham os filhos de castigos e cortavam regalias porque eram assim que as coisas funcionavam, e ponto final. Hoje, cada sanção precisa ser acompanhadas de boas justificativas – e haja suor e lágrima para dar 200 explicações. Um dos motivos disso é que os jovens atuais são muito bem informados. Outro dado é que eles nasceram num ambiente já bastante marcado pela educação liberal – seus próprios pais gozaram de uma boa dose de liberdade quando adolescente. Nessas condições, é natural que estabelecer limites de conduta se transforme em uma tarefa difícil. O que Tânia defende não é uma volta à educação rígida de antigamente, e sim a busca de um ponto de equilíbrio que se perdeu em algum momento entre o fim dos anos 70 e a atualidade.

PAIS E AUTORIDADE

A educadora Tânia Zagury: “Muitos pais acham que dar tudo de mão beijada aos filhos é uma maneira de fazê-los felizes, o que não é verdade”

RESPEITO É BOM

Dez direitos que os pais têm esquecido de exercer na educação dos filhos, segundo a educadora Tânia Zagury

1) Eles não devem se omitir em dar broncas – sem medo de causar traumas e frustrações – quando o filho agir de forma que possa prejudicar as outras pessoas, os animais e o meio ambiente.

2) Quando o diálogo não funciona dentro de casas, não tem choro nem vela: cabe aos pais a palavra final sobre qualquer tema.

3) Os pais podem, sim, proibir a filha de usar aquela saia justíssima e salto alto, em nome da segurança e da dignidade da moça. Podem também cortar as asas do filho que quer fazer tatuagens e piercings, ao perceber que ele faz isso com o uso indevido da mesada ou só para imitar os amigos.

4) Drogas: os pais têm o direito de questionar o filho, vigia-lo e até mesmo invadir sua intimidade se desconfiarem de envolvimento com elas.

5) Os pais não devem se intimidar com a prática de muitos jovens de transformar seu quarto em fortaleza indevassável. Sempre que tiverem um bom motivo – e mesmo que não sejam bem-vindos - eles estão liberados para entrar.

6) Liberdade para fazer o que se quer da vida tem limite: os pais devem exigir que os filhos estudem e podem aplicar castigos como corte de mesada e da internet se perceberem que eles não estão cumprindo os seus deveres.

7) Os pais podem – e devem – frear o apetite consumista dos filhos. Uma coisa é comprar um tênis ou uma jaqueta por necessidade; outra bem diferente é fazer exigências só por capricho.

8) Ter conversas sérias sobre sexo é uma necessidade. Se o adolescente se negar, acusando os pais de “caretas”, eles podem exigir que o jovem se sente e ouça o que têm a dizer. Os pais também não tem obrigação de aceitar, só porque é moderno, que os filhos mantenham relações sexuais em casa.

9) Eles não são obrigados a proporcionar luxos como viagens ao exterior quando o filho passa de ano ou carro zero como prêmio por entrar na faculdade. Ao ir bem na escola, o adolescente está apenas cumprindo sua obrigação.

10) Os pais têm direito a um mínimo de vida pessoal. Pelo menos de vez em quando, não devem se privar de um jantar romântico ou uma viagem sem a presença dos filhos. E também não devem se sujeitar à tirania da agenda dos adolescentes no fim de semana.

As conseqüências da omissão dos pais na educação podem ser graves. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais de 20% das garotas entre 13 e 19 anos já enfrentaram uma gravidez precoce. Por outro lado, uma pesquisa recente revelou que em cada estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública brasileira experimentou algum tipo de droga, além do cigarro e das bebidas alcoólicas. Em apenas uma década, a idade do primeiro contato com esse tipo de substância caiu de 14 para 11 anos. Mesmos que não ocorram desastres, as conseqüências para o futuro podem ser sérias. Jovens educados de maneira negligente correm o risco de se tornar adultos infelizes e desajustados. A falta de limites faz com que muitas pessoas se revelem inaptas para lidar com os reveses e frustrações naturais da vida. Elas tem dificuldades para se relacionar em ambientes marcados por hierarquias ( como o trabalho) e, em muitos casos, não se conseguem nem mesmo se emancipar tanto no ponto de vista emocional quanto do financeiro. “Muitos pais acham que dar tudo de mão beijada para os filhos é uma maneira de faze-los felizes, o que não é verdade. Quando saem do ninho, esses jovens se sentem atraiçoados pela vida, pois não desenvolveram defesas para enfrentar o mundo”, diz Tânia . É certo que com força de vontade, um adulto pode superar esses problemas. Mas uma boa educação na infância e adolescência o pouparia dessas dificuldades. É claro que boa parte dos pais percebe que muita coisa vai mal na educação de seus filhos. Eles não querem fugir de suas responsabilidades nem delega-las a outro. Prova disso é que a demanda por aconselhamento deu origem a um filão lucrativo no mercado editorial de auto-ajuda. Os principais representantes do ramo no país são a própria Tânia Zagury e o psiquiatra paulista Içami Tiba. A eles somam-se autores estrangeiros. Desde 1985, Tânia lançou dez livros, que totalizaram mais de 300.000 exemplares vendidos. Desde o fim dos anos 80 , tanto Tânia quanto Tiba vêm batendo na tecla de que é preciso resgatar a autoridade dos pais na educação dos adolescentes.

Em Os Direitos dos Pais, Tânia Zagury trabalha com dois conceitos. O primeiro se refere ao fato de que, por mais que se fale nos direitos sagrados das crianças e dos adolescentes, não se pode perder de vista que a cada direito corresponde um dever “Perdeu-se a noção de reciprocidade “, diz ela . Os pais são obrigados a bancar a melhor educação escolar para os filhos? Então estes últimos também terão sua contrapartida: devem esforça-se para passar de ano. O filho ganhou um carro ao entrar na faculdade, mas logo em seguida desistiu do curso sem mais nem menos ? Então não será uma injustiça ele perder sua regalia de andar motorizado. Os pais precisam aceitar a idéia de que ao tomar esse tipo de atitude não vão fragilizar seus filhos muito pelo contrário.

O outro conceito de que trata a autora é aquele explicitado no subtítulo de seu livro, Construindo Cidadãos em Período de Crise. Os pais precisam com urgência, ter seu papel regulador valorizado, para que possam desempenhar sem culpa nem constrangimento a função de moldar filhos para ser verdadeiros cidadãos. “O mundo que estamos construindo de indivíduos semelhantes àqueles que estamos criando em nossos lares. Portanto, é bom não pensarmos somente no prazer imediato de nossos filhos e adotarmos uma postura sociológica, pensando no global da sociedade”, escreve Tânia. No livro ela ensina que uma ótima oportunidade para transmitir valores é o momento em que os pais vêem TV com seus filhos. “Os pais não devem desperdiçar nenhuma deixa para estimular o espírito crítico dos adolescentes”, diz Tânia.

O conselho da autora é que se enfrente essa resistência: se os pais chegarem a conclusão de que há algo estranho acontecendo – como, por exemplo, o envolvimento do jovem com drogas, eles t6em o direito, sim de entrar em seu quarto sem autorização e até remexer em seus pertences ( veja quadro na pág. 72) . Tânia também tranqüiliza aqueles pais que não sabem onde se enfiar quando o filho comunica que a namorada vai dormir com ele em casa ou vice –versa um tipo de comportamento tolerado por 25% das famílias. “Se os pais se sentirem constrangidos com a situação, não precisam aceitar só porque os pais dos amigos permitem. Eles têm todo o direito de dizer um não bem redondo”, diz Tânia. Antes, os pais não falavam sobre sexo com os filhos. As vezes lhes passavam manuais sobre o tema escritos por religiosos, alertando-os para os perigos da masturbação (uma evidente bobagem) e a necessidade de manter a virgindade das moças. Outros entregavam o garoto adolescente aos cuidados de uma profissional do sexo. Hoje, a conversa sobre o tema costuma ser aberta e sem rancho religioso os adolescentes é que passaram a fugir dessas ocasiões, por considera-las uma chatice. Tânia sugere que eles sejam obrigados a ouvir o que os pais têm a dizer, ainda que façam birra. Todos esses enfrentamentos são difíceis, mais não há outro jeito.

A título de se colocarem como “amigos” dos filhos, muitos pais acabam sendo cúmplices de erros que em nada contribuem para a formação deles. Nunca custa lembrar a função do pai não é ser amigo e confidente – para isso os adolescentes tem a sua turma. Papel de pai é ser pai.

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