O carnaval começava como o prenúncio de uma tempestade feliz, o carnaval para mim não era nem orgiástico nem sexy; era a esperança de realizar alguma façanha, alguma aventura que nunca ousara, que ia mudar a minha vida de tímido e bobo, algo de milagroso, uma paixão realizada, um rosto infinitamente belo que eu beijaria entre confetes dourados e serpentinas sensuais, um extraordinário feito sexual na madrugada ou até mesmo um dramático desencontro, como no famoso conto de João do Rio,
Eu gostava mesmo era de sa
Muitos anos mais tarde, entendi a razão profunda dos blocos de sujos quando vi um genial filme de Jean Rouch, um filme chamado
Nas ruas remotas, está a origem preciosa do carnaval profundo, a festa maluca que o povo dá a si mesmo. Lá estão os desesperados, os famintos de comida e de amor, lá estão os excluídos da festa oficial. Nas ruas, estão os anjos de cara suja, os blocos das escrotas, os blocos dos vagabundos, dos bêbados ornamentais, da crioulada dura. Esses molambos e pirados jogam sobre nós a beleza da lama, detêm o enredo de séculos de exclusão; na verdade, o samba-enredo mais antigo da humanidade: "Tragédia milenar dos desgraçados".
Ali está a muda revolta não entendida do trabalho desumano, da escravidão dos baixíssimos salários, o prazer de escrachar-se e escrachar a beleza óbvia da elegância e do brilho. Nesta inversão da beleza limpa, há a invasão de uma poesia "grotesca", que atravessa os séculos, desde Brueghel, Bosch, Rabelais até Goya e Ensor e acaba nas caretas coloridas das máscaras.
Nas ruas sujas estão as raças brasileiras ensopadas, num casamento grupal doído, dando à luz um bebê mestiço gargalhante, que nos lembra que, sob o brilho das massas de mercado, sobra uma santidade essencial misteriosa.
E viva mais um tríduo momesco!
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