04 maio, 2016

Seria ridículo se não fosse trágico

É inaceitável que o bloqueio ao WhatsApp, que afeta tanta gente, não seja esclarecido em seus mínimos detalhes

CORA RÓNAI
03/05/16

E, mais uma vez, os cem milhões de brasileiros usuários do WhatsApp foram prejudicados por um juiz de interior que ainda não entendeu como a tecnologia funciona — ou, se entendeu como a tecnologia funciona, certamente ignora como funciona a sociedade brasileira, cada vez mais dependente do aplicativo através do qual se comunica com rapidez e economia.

A ação por trás da suspensão do WhatsApp corre em segredo de Justiça. Sabe-se, vagamente, que tem a ver com uma investigação sobre drogas e sobre crime organizado na cidade de Lagarto, que tem pouco mais de cem mil habitantes — mas nem eles mereciam esse castigo. O juiz Marcelo Montalvão, que ordenou a suspensão, disse, através de nota, que não vai se manifestar a respeito do assunto; e, ato contínuo, tirou a segunda-feira de folga.

Está tudo — absolutamente tudo — errado nessa história. Um serviço essencial como o WhatsApp não pode sair do ar por causa dos caprichos de uma única pessoa, seja ela ou não um juiz togado. Além disso, suspender um serviço de comunicação do qual tanta gente depende, sob a alegação de que a empresa que o oferece não prestou certas informações, equivale a suspender o fornecimento de água ou de luz à população porque as concessionárias se recusam a cumprir uma eventual ordem judicial. Ou proibir a circulação de táxis porque criminosos às vezes usam táxis para fugir da polícia. A decisão penaliza os usuários, que não têm nada a ver com o caso.

Há ainda a agravante de que o WhatsApp não pode fornecer à justiça informações de que não dispõe. Mensagens não ficam registradas nos seus servidores. E, mesmo que ficassem, não poderiam ser abertas, já que são criptografadas. Tudo isso já foi repetido à exaustão pelos executivos da empresa e por especialistas consultados a respeito do assunto. A essa altura, todo mundo sabe disso. Isso é, todo mundo, menos, aparentemente, o juiz Montalvão, da comarca de Lagarto, que mais uma vez expõe a sua cidade (e o nosso país) ao ridículo.

Um serviço como o WhatsApp só poderia ser suspenso em circunstâncias excepcionalíssimas — e, ainda assim, tenho minhas dúvidas se há exceção que justifique essa brutalidade. Mas não tenho dúvida alguma de que, aceitando-se que o serviço possa ser suspenso, tal decisão deveria ser muito bem pensada, passando por quantas instâncias superiores existam.

Também é inaceitável que um ato que afeta tanta gente não seja esclarecido em seus mínimos detalhes. Hoje já não se entendem decisões tomadas "porque sim": se vamos ficar sem um serviço essencial, precisamos saber por que isso aconteceu. Além disso, quem dá uma ordem dessas, através da qual tanta gente é prejudicada, precisa, no mínimo, prestar contas à população — e não mandar dizer, por nota, que "não vai comentar o caso".

Do jeito que aconteceu, a suspensão do WhatsApp mais parece uma grande chantagem coletiva do que uma decisão judicial racional, baseada na letra da lei.

A situação é tão bizarra que, no meio da tarde, o site do Tribunal de Justiça de Sergipe caiu. Ou foi vítima de ataque de hackers ou não aguentou a quantidade de buscas feitas por pessoas que queriam saber por que estavam sendo tolhidas no seu direito. E por onde a Justiça sergipana se manifestou, alternativamente? Pelo Facebook, dono do WhatsApp. Sorte a sua que o Facebook estava no ar. Porque, do jeito que as coisas vão, ele também podia estar suspenso, graças à ação de um outro juiz qualquer: afinal, existem no país 16.429 deles.